
Tabaco: amigo ou inimigo?
Fumar tabaco faz mal à saúde, isso é um facto indiscutível. Mas como é que aqueles que reconhecem o espírito presente na planta o encaram? E de que forma aproveitam o que ela tem para oferecer?
No que diz respeito ao tabaco na Europa, encaramo-lo muitas vezes como um vício que, apesar de reconhecermos os seus malefícios, muitos procuram para encontrar consolo e conforto. Mesmo que aprecies fumar ou rejeites esse hábito, o consumo de tabaco é amplamente visto como algo indesejável. No entanto, esta ideia não é universal. Em certas regiões do mundo, onde o tabaco é uma planta autóctone, tem um significado espiritual profundo e é tratado com respeito pelas comunidades locais.
O LADO NEGATIVO DO TABACO
Dispensamo-nos de grandes explicações neste ponto. Quase toda a gente conhece os perigos do tabaco para a saúde. Ainda assim, caso não saiba, vale a pena relembrar algumas das consequências mais graves do consumo regular de tabaco.
Antes de mais, a nicotina contida no tabaco é altamente viciante, levando a um gasto contínuo e significativo para manter o vício. Além disso, ao ser queimado, o tabaco liberta inúmeras toxinas, alcatrão e substâncias cancerígenas, responsáveis por cancro, doenças pulmonares, cardiovasculares, problemas renais, impotência, infertilidade feminina, maior risco de infeções e níveis de stresse elevados – mesmo que, no momento, fumar até possa parecer uma forma de aliviar o stresse.
O que leva muitos a manter o hábito é sobretudo aquela sensação momentânea de alerta, foco e relaxamento induzida pelos químicos presentes no tabaco.
O espírito interior
O outro lado do tabaco: tradição e espiritualidade
É inegável: fumar tabaco é prejudicial – algo com que muitos fumadores concordam. Mas, será que existe um outro lado da planta do tabaco, aquele que remonta às tribos das florestas tropicais, onde era utilizado para curar e orientar?
Pensa-se que as várias espécies de tabaco tenham tido origem nas Américas, onde foram usadas durante milénios, bem antes da chegada dos colonizadores europeus. O seu poder curativo era aproveitado de diferentes formas: fumado, mastigado, inalado, extraído em sumo, consumido oralmente, preparado em colírios para os olhos e até administrado em enemas, tudo dependendo da cultura e localidade.
No seio das comunidades da Amazónia, o tabaco era consumido como recreação, mas também tinha fins medicinais e espirituais. Aliás, trata-se de uma das três plantas sagradas fulcrais para estas culturas: ao espírito do tabaco atribui-se proteção, ao da Ayahuasca aprendizagem, e ao do Toé poder. Por isso, era comum que o fumo do tabaco fosse soprado sobre os campos antes das sementeiras, nos rostos dos guerreiros antes da batalha e até sobre as mulheres antes do sexo. Acreditava-se que o fumo purificava e abençoava. Também era usado para auxiliar o diagnóstico e tratamento de doenças.
Grande parte do tabaco utilizado pelos xamãs (Mapacho, Nicotiana rustica) é não curado, o que o torna extremamente potente e até tóxico em doses mínimas. Esta intensidade leva-o a ser considerado quase visionário, conduzindo o xamã até ao limite entre a vida e a morte. Para alguns, este é um rito de passagem: caminhar junto da morte e regressar é prova de que se possui a força necessária para curar outros. Quem não vence essa batalha, morre. Apesar de duro, este poder e busca de visão orientaram gerações de comunidades. De facto, antes do conhecimento da Ayahuasca, o xamanismo à base de tabaco era a prática dominante. Há quem diga até que foi o espírito do tabaco a indicar aos xamãs as plantas certas para preparar a ayahuasca. Atualmente, o tabaco é usado nas cerimónias de ayahuasca para purificar e equilibrar a energia da pessoa antes da experiência.
O tabaco é uma planta com uma carga histórica e espiritual profunda. Contém milhares de compostos orgânicos, e a ciência já demonstrou alguns usos interessantes para muitos deles, apesar dos riscos associados à combustão. O tabaco, sem dúvida, acarreta perigos, mas para quem procura o lado espiritual da vida, talvez ainda haja nele um potencial positivo.