Blog
Jamaica Weed Bob Marley
5 min

A cultura da cannabis na Jamaica

5 min

A Jamaica reúne um clima ideal e solos férteis, proporcionando condições perfeitas para o cultivo da canábis. Não é de admirar que a marijuana goze de tanta popularidade no país. Mas já se questionou como surgiu e evoluiu a cultura da erva jamaicana? Reunimos toda a informação essencial, desde os Rastas e ícones do Reggae até ao estatuto legal da ganja.

Como a canábis chegou à ilha

A cultura jamaicana está profundamente ligada à canábis, de uma forma única no mundo. Vamos recuar no tempo para descobrir as verdadeiras origens do uso de canábis na Jamaica. Preparámos-lhe uma viagem informativa, por isso relaxe, acenda o que preferir e prepare-se para mergulhar na cultura Rasta.

Tal como muitos outros territórios que foram colónias do Império Britânico, a história da Jamaica está marcada pela violência, opressão e escravatura. A chegada da canábis à ilha nada teve a ver com planos do império; foi graças aos servos contratados indianos, que trouxeram a planta consigo em meados do século XIX, que a canábis se enraizou na cultura jamaicana.

Em 1810, os britânicos aboliram a escravatura depois de mais de 200 anos envolvidos no tráfico de pessoas — embora muitos historiadores irlandeses defendam que terá durado cerca de 700 anos. Os escravos da África Ocidental eram enviados regularmente para a Jamaica para trabalhar nas plantações de açúcar, e tal aconteceu até 1838, quando uma revolta pôs fim à escravidão.

Os proprietários das plantações viram-se, então, a braços com a escassez de mão-de-obra, o que se tornou um verdadeiro problema para os colonizadores. A “solução” pouco melhor foi recorrer a trabalhadores contratados. Entre 1845 e 1917, cerca de 40 000 indianos foram enviados para a Jamaica para trabalhar nos campos. Trouxeram consigo o hábito de consumir hash, e foram estes trabalhadores que plantaram as primeiras sementes de canábis em solo jamaicano.

Jamaica Cannabis Map

Etimologia de ganja

O termo “ganja” tem origem no sânscrito e foi trazido para as Caraíbas pelos indianos hindus, juntamente com as sementes de canábis e o nome que lhe davam.

A fusão das culturas indiana e africana na ilha esteve na origem da cultura jamaicana da ganja, tornando o consumo de erva particularmente popular entre as classes mais desfavorecidas, algo que rapidamente foi instrumentalizado pelas elites coloniais.

A Lei do Ópio de 1913 incluiu dispositivos específicos para a proibição rigorosa da ganja. Esta legislação foi dirigida, de forma estratégica, contra os jamaicanos mais pobres que consumiam canábis, sendo a penalização pela mera posse uma multa que podia ir até cem libras (cerca de 12.000 € em 2017) ou, em alternativa ao não pagamento, prisão com ou sem trabalhos forçados.

Consequentemente, muitos jamaicanos negros e desfavorecidos acabaram em trabalhos forçados sem justificativa válida.

Em 1948, a crescente influência de um movimento religioso ligado à ganja preocupava o governo, ainda que a erva fosse ilegal. Face a isso, foi promulgada a Dangerous Drugs Act de 1948.

Esta lei de claro cunho repressivo permitia aos tribunais aplicar penas pesadas aos consumidores de canábis, incluindo longos períodos de prisão e confisco de bens.

Segundo a lei, qualquer pessoa apanhada, poderia, perante um Tribunal de Círculo, ser penalizada com multa nunca inferior a quinhentos dólares por cada onça de ganja, ou com pena de prisão até trinta e cinco anos, ou ainda com ambas as sanções cumulativamente.

Cultura rastafari

A proibição não conseguiu travar o consumo, e a ganja enraizou-se profundamente na cultura jamaicana. As origens da cultura rastafari na Jamaica remontam à década de 1930 e trata-se, sem dúvida, não apenas de uma religião, mas também de um movimento social e cultural.

Marcus Garvey, um dos grandes inspiradores do movimento, juntamente com o afrocentrismo e o movimento de afirmação negra, tiveram enorme influência. No entanto, a figura central dos rastafaris foi o seu “Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Leão Conquistador da Tribo de Judá” — o imperador da Etiópia, Haile Selassie I, que governou entre 1930 e 1974.

Antes de ser coroado em 1930, o seu título era Ras (Rei) Tafari e hoje em dia continua a ser venerado pelos rastafaris como uma figura messiânica, uma espécie de Cristo reencarnado.

O livro sagrado dos rastafaris é também a Bíblia, ainda que considerem ter sido corrompida ao longo dos séculos. Para este movimento, a Etiópia, chamada de Sião, é a “terra prometida”. Já a sociedade materialista ocidental é rejeitada e apelidada de “Babilónia”.

Tal como Cristo, o imperador representava a união entre uma religião monoteísta e uma corrente política inovadora. A unidade panafricana e a elevação da consciência eram os principais objetivos do movimento, algo que colocava em alerta o governo jamaicano.

A cultura rastafari é muito mais do que cabeleiras com dreadlocks e consumo de ganja. O movimento desenvolveu uma linguagem própria alinhada com a sua filosofia positiva e atribui grande importância às palavras. Acredita-se que um verdadeiro rasta não alimenta energias negativas através do discurso.

Há palavras que, por carregarem uma ideia negativa, são substituídas por outras de significado mais elevado. Por exemplo, em vez de "understand" ou "undertake", um rasta prefere usar "overstand" e "overtake", infundindo positividade no discurso.

Outro aspeto típico do dialeto rastafari é o uso do “I” antes de certas palavras, conferindo-lhes novo significado — “banana” passa a ser “inana”. O “I” representa Jah (Deus) e a sua inclusão nas palavras é entendida como uma ligação divina a uma força superior.

Naturalmente, a ganja assume o papel de sacramento para os rastafaris — até mesmo o sentido em que a erva sagrada é passada num círculo tem um significado específico. Uma "sessão de reasoning" é um momento de partilha, reflexão colectiva e comunhão espiritual com Jah.

Passar a ganja no sentido dos ponteiros do relógio está associado à discussão de dilemas morais ou questões éticas, enquanto no sentido contrário é reservado a conversas relacionadas com conflitos ou situações de guerra.

A ganja também marca presença nas celebrações rastafaris. O “binghi” ou “grounation” é um dia sagrado, marcado por momentos de consumo ritual de ganja, música, dança e oração.

Weedculture Jamaica Cannabis Room

BOB MARLEY

Bob Marley tornou-se uma verdadeira lenda ainda em vida, sendo aquele raro exemplo de artista e defensor de causas que surge uma vez por geração. Cresceu em condições humildes, nascido em 1945, passou a infância em Nine Mile e a adolescência em Trenchtown, acabando por se transformar num ícone cultural incontornável.

Foi nos anos 60, em Trenchtown, que Bob Marley, Bunny Wailer e Peter Tosh forjaram o som do futuro reggae ao formarem uma banda. Embora Marley tenha nascido católico, converteu-se ao Rastafarianismo em 1966.

Essa decisão marcaria um ponto de viragem na sua vida; a perfeita combinação entre música e marijuana que o lançaria para a fama mundial começava aí. O poder da sua influência mantém-se vivo até aos nossos dias.

No dia em que Bob teria celebrado o seu 70º aniversário, a 26 de fevereiro de 2015, a canábis foi descriminalizada na Jamaica. Como justa homenagem à sua memória, o uso medicinal e religioso desta planta também passou a ser legal.

E já que falamos de legalização, deixamos uma curiosidade: sabia que a famosa canção “legalize it”, muitas vezes associada a Bob Marley, é na verdade da autoria de Peter Tosh? A música foi escrita e lançada em 1979, cerca de cinco anos após a separação dos Wailers. Também nós ficámos surpreendidos ao descobrir!

Novas leis

Após a aprovação da Dangerous Drugs (Amendment) Act 2015, realizou-se uma cerimónia histórica a 29 de abril de 2015 na Universidade das Índias Ocidentais, onde, pela primeira vez na história da Jamaica, uma planta de canábis foi plantada legalmente.

A nova legislação dificilmente terá um impacto significativo no consumo de ganja pelo cidadão comum, nem deverá provocar um aumento substancial no número de novos consumidores.

O principal objetivo desta legislação passa por abrir caminho à criação de um mercado legal de canábis no país. Embora obrigações internacionais dificultem a entrada na exportação global, a indústria nacional tem potencial para crescer de forma sustentada.

O turismo é um setor fulcral para a economia jamaicana, e já se nota um claro aumento na oferta de alojamentos e experiências turísticas viradas para apreciadores de ganja.

O conceito “Bud & Breakfast” tem conquistado enorme popularidade entre turistas norte-americanos, colocando a Jamaica à beira de uma revolução verde, com potencial para transformar a ilha num nome de referência no futuro mercado global da canábis.

Luke Sholl
Luke Sholl
Luke Sholl dedica-se há mais de dez anos a escrever sobre a cannabis, o potencial dos canabinóides para o bem-estar e os benefícios naturais. Colabora com várias publicações especializadas em canabinóides, produzindo conteúdos digitais diversificados, sempre sustentados por um profundo conhecimento técnico e uma pesquisa rigorosa.
Notícias Viagens
Pesquisar em categorias
ou
Pesquisa