
O que é um xamã?
O termo xamã é frequentemente utilizado e atribuído a pessoas de várias culturas, religiões e tradições. Mas, afinal, o que significa realmente?
Os que se consideram xamãs, ou são reconhecidos como tal pelos outros, pertencem a múltiplas culturas. Contudo, é difícil definir exatamente o que é um xamã, pois nem sequer existe consenso sobre o significado do termo, mesmo entre aqueles que o utilizam para se descrever. Para alguns, está relacionado com estados alterados de consciência; para outros, com o contacto com espíritos; e há ainda quem defenda que esta designação deve limitar-se apenas a certas culturas asiáticas e do norte da Europa.
Não temos todas as respostas, mas neste artigo queremos oferecer uma visão geral sobre os termos xamã e xamanismo, e revelar um pouco da sua fascinante história.
O que é um xamã?
O termo "xamã" – e o próprio conceito de xamanismo – é pouco claro e, dependendo de quem fala, pode ter significados diferentes e aplicar-se a diversos povos. Apesar de ser uma palavra bastante utilizada, parece não haver um consenso sobre o que é, ao certo, um xamã.
Embora haja críticas ao seu significado, aceita-se de forma geral que um xamã é alguém capaz de comunicar e interagir com o mundo dos espíritos, sejam estes benévolos ou malévolos, entrando em estados de transe induzidos por música, dança, substâncias psicoativas ou uma combinação destes elementos.
Na verdade, acreditava-se que os xamãs Evenki conseguiam separar o seu espírito do corpo e viajar pelo mundo espiritual. Esta ligação ao mundo dos espíritos costuma ter como fim o benefício da comunidade local à qual o xamã pertence. Por vezes, vê-se também o xamã como um curandeiro ou sábio.
Thomas Downson identifica três aspetos comuns que normalmente se atribuem aos xamãs:
- Alteração regular do estado de consciência por parte do praticante
- Este ato é reconhecido pela comunidade como ritual de grande importância
- O conhecimento sobre estas práticas é restrito
Repare que esta definição não menciona espíritos nem tenta relacionar a tradição a uma cultura ou região específicas. A expressão acaba assim por ser mais generalista, mas ao mesmo tempo esbate e até ignora as práticas autênticas dos povos a quem se atribuiu o termo xamã pela primeira vez e onde ele possivelmente teve origem.
O que é o xamanismo?
O termo xamanismo é também de definição complexa e frequentemente utilizado de forma imprecisa. Muitas vezes, é atribuído por pessoas exteriores às comunidades em questão, e, por isso, tem sido alvo de críticas por carregar conotações coloniais.
Para compreendermos melhor o xamanismo, é importante perceber a origem do termo, algo que não é consensual. Apesar de não existirem certezas, acredita-se que o termo provém das línguas tungúsicas, nomeadamente dos dialetos falados pelos povos Sym Evenki ou Manchu. A palavra original será "samān", derivada do prefixo "sa–", que significa "saber". Esta é a teoria mais aceita, mas não é definitiva.
Alguns defendem que "samān" terá origem no termo sânscrito "śramaṇa", que designava uma figura religiosa ou monástica itinerante. Esta hipótese foi proposta por Mircea Eliade, tendo sido entretanto rejeitada por outros investigadores.
O termo "xamanismo", tal como o conhecemos hoje, foi popularizado por intelectuais e colonizadores russos para descrever as práticas tradicionais dos povos indígenas da Sibéria. Muitas vezes xamanismo é visto como uma religião baseada no animismo — a crença de que tudo na natureza possui espírito. No entanto, não corresponde a uma religião no sentido convencional: mesmo que uma cultura se autodenomine "xamânica" (ou seja descrita dessa forma por terceiros), não existe uma única religião xamânica universal, e cada comunidade que pratica o xamanismo tem rituais e crenças próprias.
Ainda que o termo xamanismo se relacione sobretudo com a Sibéria, muitas pessoas na Europa e na América do Norte associam imediatamente o conceito às florestas tropicais da América do Sul e aos rituais de ayahuasca. Essa perceção reflete precisamente um dos principais problemas do termo: trata-se de um conceito abrangente aplicado por observadores externos às práticas e culturas indígenas, mesmo quando estas se encontram separadas por oceanos e continentes.
Onde podem ser encontrados xamãs?
Isto leva-nos à questão: onde se podem encontrar xamãs? Dependendo de como se define o termo, é possível encontrá-los praticamente em todos os continentes. No entanto, aplicando uma definição mais restrita, a presença dos xamãs fica sobretudo concentrada em regiões da Ásia, como a Sibéria e a Mongólia.
Como se pode observar, a área onde se encontram xamãs depende muito do rigor utilizado na definição do conceito. Importa referir que não devemos atribuir o título de xamã a quem não se reconhece como tal. Muitas vezes, culturas são catalogadas como "xamânicas" sem verdadeiro conhecimento do significado da palavra, até mesmo quando usada localmente.
O xamanismo tornou-se um termo bastante amplo em antropologia, sendo usado primeiro para descrever práticas na Sibéria e Ásia, depois na América do Norte e, mais tarde, também na América do Sul, onde é comum a ligação dos xamãs ao uso de plantas como a salvia divinorum, cactos com mescalina (cactos), e plantas e anfíbios com DMT. Embora o conceito possa ser por vezes excessivamente alargado, é importante reconhecer que existem semelhanças entre as culturas indígenas da América do Norte e do Norte da Ásia. Apesar de muitas vezes vermos estes territórios como distantes, estão historicamente ligados por mares gelados durante o inverno, permitindo a circulação de pessoas a pé e de trenó muito antes da chegada dos colonizadores europeus ao continente americano.
No contexto moderno, talvez seja mais ajustado utilizar o termo "neoxamanismo". Refere-se a variadas práticas associadas ao espiritualismo New Age, normalmente sem qualquer relação direta com os rituais xamânicos tradicionais. Os neoxamãs podem recorrer a estados de transe ou a substâncias psicadélicas para explorar outras dimensões do seu ser, mas raramente buscam interagir com o mundo dos espíritos.
Será que os xamãs usam necessariamente substâncias?
Nas culturas do noroeste, o termo "xamã" associa-se frequentemente, e de forma algo indefinida, à ideia de alguém que recorre a drogas psicotrópicas para realizar práticas de carácter espiritual — embora raramente se saiba ao certo que práticas são essas.
Apesar de, de facto, existir uma ligação histórica entre os xamãs originais e certas substâncias, essa relação não é obrigatória. O elemento central, muitas vezes confundido com o consumo de drogas, são os estados de transe nos quais estes xamãs entram com frequência. Estes estados podem ser atingidos de diferentes formas, para além das drogas, nomeadamente através da dança e da música — com destaque para o canto, tambores e chocalhos. Estas práticas são pensadas para permitir a comunicação com espíritos, seja com fins de cura ou de adivinhação.
Nas abordagens neoxamânicas, por outro lado, os estados de transe tendem a assumir um valor mais introspectivo e terapêutico, sendo orientados para o autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, em vez do contacto com o mundo espiritual.
Por que razão se associa o xamanismo ao consumo de drogas psicadélicas?
Apesar do que foi anteriormente referido, é verdade que quem pratica aquilo a que se pode chamar xamanismo tradicional costuma recorrer a substâncias para facilitar estados alterados de consciência. Na realidade, o uso de drogas acabou por se tornar um dos critérios que distinguem quem é tido por xamã – ainda que este critério não se alinhe com todo o contexto histórico – o que ajuda a explicar porque este termo se espalhou globalmente e passou a ser associado a diferentes culturas sem ligação direta entre si.
Por exemplo, os Sami, um povo do extremo norte da Europa, têm práticas consideradas xamânicas por muitos especialistas. Entre estas práticas, destaca-se o consumo de cogumelos Amanita muscaria (conhecidos como "mata-moscas") pelos xamãs, que assim procuram atingir estados de transe e comunicar com o mundo espiritual. O uso destes fungos psicadélicos também é frequente entre outros povos indígenas da Sibéria. Por isso, não é de estranhar que, ao longo do tempo, o xamanismo tenha ficado fortemente associado ao consumo de substâncias alucinogénias, especialmente cogumelos.
Já na América do Sul, o termo xamã acabou por ser atribuído aos curandeiros que utilizam, nas suas tradições, drogas psicadélicas como os cogumelos Psilocybe cubensis ou DMT – seja em forma de ayahuasca ou nas secreções de certos sapos. Estas experiências têm como objetivo, tradicionalmente, contactar com espíritos ou entidades espirituais. Foram antropólogos norte-americanos que popularizaram o uso do termo "xamã" também para descrever estes praticantes, ainda que as próprias culturas raramente se identifiquem como xamânicas.
Críticas ao uso do termo xamã
Como já referido, o termo xamã tem uma definição pouco clara e é considerado por alguns como problemático. Uma das principais razões prende-se com o facto de ter origem nas línguas tungúsicas, tendo mais tarde sido adotado por antropólogos europeus e norte-americanos para designar qualquer indivíduo ou grupo de culturas indígenas cujas práticas eram vistas como semelhantes às dos povos tungúsicos.
A questão não está tanto numa aplicação incorreta do termo a outras culturas, mas sim na necessidade de avaliar cuidadosamente o uso deste termo quando aplicado fora do seu contexto original. Devemos não só respeitar as tradições dos povos de onde o termo provém, mas também considerar as especificidades das comunidades a quem o atribuímos.
Apesar de, à primeira vista, certas culturas poderem aparentar semelhanças, no seu interior possuem práticas próprias e vocabulário próprio para descrever essas tradições e os seus praticantes.
Outro argumento crítico prende-se com o facto de o termo "xamã" carregar algumas conotações pejorativas, pois muitas vezes evoca uma visão de culturas "primitivas", "selvagens" ou "incivilizadas", mesmo quando pouco ou nada se sabe sobre elas. Ter Ellingson salienta que o termo contribui para a criação de uma imagem universalista e simplista das culturas indígenas (Ellingson, 2001).
Deverá alguém chamar-se a si próprio xamã?
Posto isto, será que qualquer pessoa se pode autodenominar xamã?
Muitas pessoas na América do Norte, Europa e noutros lugares apresentam-se como xamãs, apesar de poucas terem aprendido com aqueles de quem o termo deriva, ou sequer estudado as suas origens. Ainda assim, o conceito, numa acepção mais moderna e alargada, cumpre uma determinada função e, mesmo sem uma definição rigorosa, permite diferenciar um conjunto específico de práticas.
Não nos compete dizer quem deve ou não utilizar esta designação, mas antes de a aplicarmos a nós ou a outros, é fundamental conhecermos um pouco melhor a sua história.
Xamãs e xamanismo: uma tradição pouco compreendida
Como pode perceber, estes são conceitos relativamente vagos com origens pouco claras. Na verdade, é difícil rastrear o termo "xamã" para além da sua utilização inicial como expressão antropológica para descrever povos indígenas.
O mais importante a reter é que aqueles a quem se atribui o nome de xamãs, bem como os que integram grupos ou religiões xamânicas, representam uma enorme diversidade de comunidades e culturas, que atravessam continentes, épocas e origens étnicas. O xamanismo é um termo abrangente que pode descrever certos traços de um grupo, mas não os define por completo. Na realidade, indica sobretudo um conjunto de práticas semelhantes que fazem parte de sistemas de crença mais amplos e distintos.
- Ellingson, & Ter. (2001/1/16). The Ecologically Noble Savage - https://doi.org
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