O que são os enteógenos?
Os enteógenos são substâncias psicoativas tradicionalmente utilizadas para vivências espirituais e para o desenvolvimento pessoal ou comunitário. Estas substâncias contam com uma longa tradição de uso em práticas religiosas e espirituais de várias culturas ao redor do mundo.
O que são enteógenos?
Um enteógeno é um tipo de substância psicoativa capaz de provocar uma experiência espiritual com o intuito de promover o autoconhecimento. A designação é frequentemente utilizada para distinguir o uso dessas substâncias em contextos religiosos, espirituais ou terapêuticos, face ao seu consumo recreativo.
A palavra tem origem no grego antigo: ἔνθεος (éntheos) e γενέσθαι (genésthai). Era usada pelos gregos como elogio a poetas e artistas. “Éntheos” significa "inspirado" ou "possuído", e está na raiz da palavra “entusiasmo”. Já “genésthai” traduz-se como "tornar-se" ou "passar a existir". Assim, enteógeno designa uma substância que inspira e motiva o indivíduo a procurar vivências interiores profundas, normalmente em contexto espiritual ou religioso.
O valor religioso, espiritual ou xamânico dos enteógenos está bem documentado pela antropologia. Estas substâncias têm sido usadas, desde tempos ancestrais, para complementar diversas práticas voltadas para a transcendência, como meditação, yoga, oração, rituais, cânticos, batidas de tambor, adivinhação, privação sensorial e até práticas de magia. Nos anos 60, o movimento hippie apropriou-se do conceito, integrando-o em formas de expressão como a arte psicadélica, a música, as festas rave, batidas binaurais e tanques de privação sensorial.
O termo enteógeno foi introduzido como alternativa aos conceitos de alucinogénio e psicadélico. Esta substituição surgiu para afastar as conotações negativas do termo alucinogénio, historicamente ligado à insanidade ou delírio. Da mesma forma, o termo psicadélico começou também a ser evitado devido à sua associação à contracultura dos anos 60. Assim, enteógeno destacou-se como uma expressão mais adequada para descrever o uso destas substâncias em ambientes cerimoniais e de desenvolvimento pessoal.
Uma breve história da psilocibina e do reconhecimento ocidental dos enteógenos
Registos históricos indicam que a psilocibina foi utilizada em várias culturas ao longo de milénios. No entanto, só na década de 1950 é que o mundo ocidental tomou real conhecimento desta substância, graças a dois norte-americanos, Gordon Wasson e Allan Richardson, que foram até ao México à procura do chamado cogumelo mágico. Foi em Oaxaca que conheceram uma xamã da tribo Mazateca, que os introduziu ao cogumelo. Graças à hospitalidade e abertura dessa xamã, Wasson e Richardson tornaram-se dos primeiros ocidentais a participar num ritual sagrado Mazateca, conhecido como Velada.
O relato de Wasson sobre esta experiência foi publicado na revista Time em 1957, inspirando pessoas como Timothy Leary e muitos outros a viajarem até ao México em busca do cogumelo de psilocibina. O artigo gerou tal impacto que levou a uma verdadeira invasão de hippies, turistas e celebridades à cidade Mazateca de Huautla de Jimenez. Como consequência, a xamã que partilhou o segredo do cogumelo foi rejeitada pela sua comunidade e, até hoje, permanece uma figura polémica na história mexicana.
Ao longo de gerações, a tribo Mazateca recorreu a enteógenos visuais, como os cogumelos de psilocibina e a Salvia divinorum, em muitos dos seus rituais mais importantes. Estas substâncias serviam para comunicar com os espíritos, aceder a informações divinas e vivenciar o sagrado. A chegada deste conhecimento ao Ocidente impulsionou uma autêntica revolução psicadélica, com grande impacto na cultura popular. Muitos puristas não viam valor no consumo recreativo destas substâncias, mas várias pessoas transformaram as suas vidas através destas experiências, após a sua introdução no mundo ocidental.
Utilização cultural atual em todo o mundo
No mundo ocidental, a expressão "cultura da droga" está frequentemente associada a conotações negativas como pobreza, criminalidade e comunidades desestruturadas. No entanto, noutras culturas, as substâncias são utilizadas como ferramentas espirituais. Eis alguns enteógenos que desempenham um papel importante em diferentes culturas à volta do mundo.
Cogumelos mágicos
Várias espécies de cogumelos mágicos, conhecidos como cogumelos psilocibina ou simplesmente “shrooms”, têm origem na região de Oaxaca, no México. Estas espécies eram utilizadas pelos Mazatecas há milénios, muito antes de serem introduzidas no mundo ocidental. Graças às suas propriedades psicológicas e espirituais, os cogumelos tornaram-se uma das drogas recreativas mais procuradas globalmente. Os seus efeitos alucinogénios são valorizados por facilitarem uma maior abertura mental, promovendo sentimentos de compaixão e empatia, tanto para consigo próprio como para o mundo em geral.
Iboga
A iboga é uma planta originária do Gabão, um país equatorial localizado na África Central com uma área semelhante à do Colorado. Apesar de ser discreta em termos de aparência e valor nutritivo, é profundamente venerada por comunidades locais como os Babongo. Estes criaram a religião Bwiti, centrada em rituais com a casca da iboga. Os praticantes consomem a casca psicoactiva para promover o desenvolvimento pessoal, reforçar a identidade e fortalecer os laços do grupo. A iboga é especialmente respeitada pelas visões intensas e experiências quase oníricas que proporciona, tanto com os olhos fechados como abertos.
Kava
A kava é uma planta entheogénica tradicionalmente apreciada nas ilhas do Pacífico, como o Havai e as Fiji. Conhecida pelas suas propriedades relaxantes e apaziguadoras, a kava ocupa um papel central tanto em rituais sagrados como em contextos sociais, sendo considerada uma ponte espiritual entre as pessoas e o mundo espiritual. As folhas podem ser mastigadas frescas, secas e moídas, ou então preparadas numa bebida densa e opaca, de cor leitosa. Diz-se que proporciona uma sensação de tranquilidade euforia, sem comprometer a clareza mental. Kava destaca-se ainda por ser o único entheógeno permitido legalmente nos Estados Unidos.
Peyote
O peyote encontra-se tradicionalmente nas regiões do Nordeste do México e no Sul do Texas. Este cato peyote é amplamente reconhecido pelo seu conteúdo de mescalina, um poderoso alucinogénio. Há mais de cinco mil anos que o peyote ocupa um lugar central em cerimónias espirituais dos povos nativos americanos. Os efeitos, que podem durar entre 10 a 12 horas, incluem visões e, para quem experimenta pela primeira vez, pode causar episódios ocasionais de vómitos. Na tradição indígena norte-americana, o cato seco era consumido em cerimónias comunitárias com orientação de xamãs e cânticos próprios do peyote. Segundo a sabedoria popular, não és tu que tomas o peyote — é o peyote que te leva a ti.
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Consumo clandestino e o que precisa saber
Ao abordar a utilização clandestina de enteógenos, há vários aspetos a considerar. O facto de estas substâncias serem ilegais implica que os utilizadores estejam atentos aos riscos inerentes à sua aquisição e consumo em ambientes não regulados.
Se te envolveres numa cerimónia com enteógenos guiada por um xamã, certifica-te de que este é de confiança e possui legitimidade. Apesar do potencial de cura associado a estes rituais, também existem perigos: é essencial adotar todas as precauções para garantir que o xamã não tenta abusar do seu poder durante a experiência.
Antes de começares uma experiência espiritual intensa, confirma que o teu guia é experiente e está informado sobre o que utiliza. É frequente que os xamãs recorram a misturas de diferentes plantas tradicionais, cada uma com finalidades próprias. É fundamental que o xamã saiba exatamente os ingredientes incluídos e quais são os seus possíveis efeitos. Xamãs pouco preparados ou impostores podem cometer erros com graves consequências para a saúde.
Preparares-te mentalmente para a viagem é igualmente importante. Uma preparação pessoal adequada pode influenciar positivamente a forma como vivencias o processo. Avalia o teu estado emocional, os desafios presentes na tua vida e questiona-te sobre o que poderá surgir durante a experiência. Como te sentes atualmente? Que dificuldades enfrentas? De que forma poderão estas questões manifestar-se? Refletir antecipadamente sobre estes pontos ajudará a lidar melhor com eventuais situações menos agradáveis.
Por fim, é fundamental que estejas acompanhado por alguém da tua confiança, com quem possas comunicar aberta e sinceramente. Explorar outros estados de consciência é um processo complexo, repleto de descobertas inesperadas. Ter uma pessoa fiável por perto, capaz de te apoiar e ajudar a interpretar o que vivencias, faz toda a diferença para garantir uma experiência segura, positiva e tranquila.
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