Cannabis sintético vs natural: qual é a diferença?

Canábis sintética vs natural

Max Sargent
Max Sargent
Última actualização:

Revisto por:

Arno Hazekamp

Existem três tipos de canabinóides no mundo: os que são produzidos pelo corpo humano, os que têm origem nas plantas e os que são criados em laboratório. Muitos destes últimos, conhecidos como canabinóides sintéticos, podem ser extremamente perigosos e até fatais. Fique a saber o que distingue a marijuana sintética da natural e porque esta diferença é importante.

Ainda existe bastante confusão acerca das diferenças entre canabinóides de origem natural, extraídos da planta, também conhecidos como fitocanabinóides, e os canabinóides sintéticos (produzidos em laboratório). A distinção entre canabinóides sintéticos desenvolvidos para fins médicos e aqueles criados ilegalmente para venda comercial gera ainda mais dúvidas.

Do lado legal, existem versões sintéticas de CBD e THC fabricadas e comercializadas de acordo com as normas para uso farmacêutico ou como suplementos de saúde. No extremo oposto, há substâncias ilícitas como o K2 (ou Spice), um canabinóide sintético que pode ser até 100 vezes mais potente do que o THC natural, representando riscos sérios para a saúde e podendo causar efeitos graves, ou mesmo morte (Groth, 2023).

Para o consumidor comum de canábis, a regra de ouro é simples: a maioria dos canabinóides sintéticos representa um perigo. Se valoriza a sua saúde, o melhor é evitá-los. Com isto em mente, vamos analisar as principais diferenças entre a canábis natural e a canábis sintética e perceber o que isto implica para quem consome.

Nem toda a canábis é igual

Nem toda a canábis é igual

Existem diversas formas de sintetizar canabinóides — compostos químicos capazes de ativar ou influenciar os recetores canabinóides existentes no nosso organismo.

Na planta de canábis já foram identificados mais de 100 fitocanabinóides naturais, entre os quais o CBD e o THC. Com a evolução da legalização a nível global, tem-se registado um aumento significativo no número de estudos dedicados aos canabinóides, tanto de forma isolada, como em combinação.

Outra forma de obter canabinóides é através da sua síntese em laboratório. Atualmente já existem mais de 300 canabinóides sintéticos conhecidos, e este número tende a aumentar. Apesar de alguns consumidores acreditarem que estas substâncias, por vezes legais, podem ser «mais seguras» do que os canabinóides naturais, nada poderia estar mais longe da realidade, como explicamos mais adiante.

Por último, importa referir que também o nosso corpo produz canabinóides. Os endocanabinóides, como a anandamida e o 2-araquidonoilglicerol, são sintetizados pelo organismo para regular vários processos fisiológicos através do sistema endocanabinóide (SEC) e dos seus recetores.

O sistema endocanabinóide depende do equilíbrio

O Sistema Endocanabinoide Baseia-se no Equilíbrio

Apesar de alguns fitocanabinoides serem capazes de estimular ou influenciar os recetores e enzimas do sistema endocanabinoide de forma mais intensa do que os próprios endocanabinoides do corpo, a canábis natural nunca excede os limites do organismo.

Os dois principais recetores canabinoides do corpo, CB1 e CB2, desempenham um papel essencial na manutenção do equilíbrio do organismo, conhecido cientificamente como homeostasia. Presentes em várias zonas do cérebro e do corpo, estes recetores funcionam segundo um princípio de "chave-fechadura": quando a estrutura química do canabinoide encaixa no recetor, funciona como uma chave a ativar a respetiva resposta.

É precisamente este mecanismo que impede o corpo de processar doses excessivas de canabinoides e que, por isso, previne overdoses letais quando se consomem canabinoides naturais. Nos canabinoides sintéticos, por outro lado, a estrutura química é concebida para forçar a ativação dos recetores de uma forma exagerada e, por vezes, perigosa.

História relacionada

CBD, THC e CBG – A explorar os canabinóides

Canábis natural e canábis sintética: noções essenciais

Cannábis natural e sintético: O essencial

A canábis natural e a sintética são bastante diferentes e é fundamental conhecer as principais distinções entre ambas. Apresentamos de seguida uma visão geral de cada uma destas categorias, assim como alguns exemplos de canabinóides naturais e sintéticos.

O que é a canábis natural?

O que é a canábis natural?

Existem duas principais formas de “canábis natural”—ou mais corretamente, “canabinóides naturais”: os fitocanabinóides e os endocanabinóides. Tanto os endocanabinóides como os fitocanabinóides conseguem interagir com recetores canabinóides e enzimas, produzindo vários efeitos no organismo humano. Ao contrário dos canabinóides sintéticos, os naturais não sobreestimulam estes recetores ao ponto de se tornarem perigosos. Os endocanabinóides não podem ser consumidos, já que apenas atuam quando são produzidos naturalmente pelo corpo.

Exemplos de canábis natural

Qualquer canabinóide extraído da planta de canábis pode ser considerado um fitocanabinóide natural. Alguns exemplos incluem:

Os dois principais exemplos de endocanabinóides naturais presentes no ser humano são a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG).

História relacionada

O que é o sistema endocanabinóide?

O que é a canábis sintética?

O que é a canábis sintética?

Ainda que sejam claramente distintas, tanto os canabinoides sintéticos como os naturais atuam estimulando recetores do sistema endocanabinoide, sendo o mais relevante o CB1. Afinal, é ao estimularmos o recetor CB1 que sentimos os efeitos da canábis; por isso, se os canabinoides sintéticos não se ligassem a este recetor, dificilmente seriam procurados como alternativa. De facto, o termo mais correcto para os canabinoides sintéticos é "agonistas dos recetores canabinoides".

Ao contrário dos naturais, estes compostos não são obtidos a partir da canábis, mas sim através de diferentes químicos e processos laboratoriais, com fiabilidade científica variável. Em contexto farmacêutico controlado, o objetivo é replicar os efeitos benéficos dos canabinoides naturais da forma mais segura possível, reduzindo os riscos de efeitos adversos. Para isso, os medicamentos passam por rigorosos ensaios clínicos. No entanto, as versões sintéticas vendidas ilegalmente, conhecidas como "erva sintética de rua", não são testadas, aumentando significativamente a probabilidade de efeitos indesejáveis.

Mesmo as farmacêuticas já se depararam com perigos inesperados ao tentarem alterar canabinoides para criar determinados efeitos. O Rimbonant, por exemplo, era um medicamento criado para controlar o apetite, mas foi retirado do mercado em 2009 porque induzia pensamentos suicidas em alguns doentes.

Sintéticos produzidos fora do ambiente farmacêutico, sem qualquer tipo de controlo de qualidade, podem ser ainda mais perigosos, podendo mesmo ser fatais.

Os canabinoides sintéticos classificam-se, em geral, nas seguintes categorias (Presley et al., 2013):

  • Ciclohexilfenóis
  • Naftoilindóis
  • Naftilmetilindóis
  • Naftilmetilindenos
  • Naftoilpirróis
  • Fenilacetilindóis
  • Adamantoilindóis
  • Tetrametilciclopropilindóis

Existem ainda outros tipos de agonistas sintéticos dos recetores da canábis, como o oleamida, frequentemente usado na indústria dos plásticos ("Perfil de canabinoides sintéticos e droga 'Spice'").

Oleamida, metanandamida e outros canabinoides sintéticos têm uma estrutura semelhante à do endocanabinoide anandamida, produzido naturalmente pelo nosso corpo.

Além disso, os canabinoides sintéticos são quase sempre "isolados", ou seja, o seu objetivo é ter uma única substância química que estimule ao máximo os recetores canabinoides do organismo. Por vezes, o composto resulta da modificação laboratorial parcial de uma molécula de THC, mas, na maioria das vezes, estes produtos nunca tiveram contacto com canabinoides naturais.

Enquanto consumidores, nunca podemos saber ao certo que outras substâncias foram usadas na produção da "erva sintética" vendida ilegalmente. Muitas vezes, estes químicos são misturados ou pulverizados sobre ervas naturais para dar um aspeto mais natural ao produto final.

Exemplos de canábis sintética

Exemplos de canábis sintética

Muitos produtos de marijuana sintética são criados intencionalmente para contornar as leis relativas à canábis, sendo frequentemente comercializados como “não destinado ao consumo humano”. Por exemplo, o K2 foi inicialmente vendido como se fosse "pot-pourri" ou incenso, sem supostamente qualquer intenção de consumo. No entanto, os consumidores sabiam perfeitamente a finalidade real deste produto. Os canabinóides sintéticos presentes nestes artigos tendem a exercer um efeito mais intenso e, por vezes, avassalador nos recetores de canabinóides do organismo.

Desde o início deste século, as autoridades europeias identificaram mais de 142 canabinóides sintéticos diferentes. Estes podem surgir até em produtos como gomas ou líquidos para vaporizadores que se apresentam como contendo CBD ou THC de origem natural.

Eis alguns dos nomes e designações frequentemente associados a canabinóides sintéticos ilícitos e potencialmente perigosos:

  • Spice
  • K2
  • Yucatan Fire
  • Sence
  • Chill X
  • Smoke
  • Genie
  • Algerian Blend

Atenção: estas designações podem variar frequentemente e não deve assumir que sabe que substâncias está a consumir com base apenas no nome pelo qual são conhecidos.

História relacionada

Quais são os efeitos secundários do THC?

Canábis natural vs sintética

Cannábis natural vs sintético

Depois de analisarmos os princípios gerais do canábis natural e sintético, vamos agora aprofundar um pouco mais este tema.

Estrutura química

Os canabinóides sintéticos são agonistas dos recetores canabinóides, ou seja, ligam-se a eles. No entanto, a sua estrutura química é diferente da dos canabinóides naturais. A maioria dos compostos sintéticos é solúvel em gorduras e contém entre 22 e 26 átomos de carbono. Grande parte deles apresenta ainda uma chamada “cadeia lateral”, composta por quatro a nove átomos de carbono saturados. Acredita-se que a afinidade ideal de ligação ao recetor CB1 se encontre entre cinco e oito átomos de carbono; acima desse limite, a atividade pode diminuir ("Why does alkyl chain length matter", 2020). Contudo, pouco se sabe ainda sobre a farmacologia detalhada e toxicidade dos canabinóides sintéticos, já que são escassos os estudos formais nesta área.

Os canabinóides naturais, por sua vez, costumam ter 21 átomos de carbono, ainda que existam exceções. O comprimento da cadeia lateral também pode variar bastante, mas esta diversidade ocorre sempre dentro de um intervalo que evita efeitos adversos graves.

Em suma, os canabinóides sintéticos são criados especificamente para exercer efeitos bem mais intensos do que os canabinóides naturais presentes na planta. Por isso, podem provocar sérios danos no seu sistema endocanabinóide e, consequentemente, na sua saúde.

Aplicação

Application

Os canabinóides naturais têm vindo a ser utilizados ao longo do tempo com fins holísticos ou religiosos, muito para além do simples relaxamento. Ainda assim, compostos como o THC são igualmente procurados para fins recreativos.

Os canabinóides sintéticos foram inicialmente desenvolvidos para imitar os canabinóides naturais com objetivos médicos, sobretudo numa época em que a marijuana era totalmente proibida.

Atualmente, o mercado destes produtos sintéticos expandiu-se, sobretudo devido à ação de produtores clandestinos que procuraram comercializá-los legalmente, mesmo em países onde o consumo de cannabis já é permitido, sem qualquer consideração pela saúde ou segurança dos consumidores. Grande parte dos canabinóides sintéticos destina-se a ser fumada—embora seja possível encontrá-los em comestíveis, como doces. Gomas são um exemplo comum de produto onde estes compostos podem ser adicionados. Também é possível vaporizar estes sintéticos, mas a forma de consumo mais habitual continua a ser a inalação de matéria vegetal impregnada com canabinóides sintéticos.

Alguns destes compostos sintéticos são produzidos em laboratório para imitarem os canabinóides naturais e serem usados com fins terapêuticos. Nos Estados Unidos, a FDA aprovou algumas substâncias sintéticas de cannabis, que só podem ser obtidas por prescrição médica: Marinol (dronabinol), Syndros (dronabinol) e Cesamet (nabilona) ("FDA and cannabis: Research and drug approval process", 2020). Estes medicamentos são apenas prescritos em contextos médicos específicos e a sua utilização é limitada.

Segurança

Safety

A menos que o canabinoide sintético tenha sido produzido num laboratório farmacêutico devidamente certificado para uso médico, todos estes compostos devem ser encarados como potencialmente perigosos. Para além disso, muitos deles são adulterados com substâncias químicas tóxicas ou outros fármacos. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration identificou produtos contendo inclusive um veneno para ratos chamado brodifacoum, supostamente para "prolongar" os efeitos.

A melhor opção é, sem dúvida, evitá-los por completo. Não têm qualquer tipo de fiscalização por parte das entidades de saúde e, frequentemente, são fabricados apenas com intenção de lucro, sem preocupação com o bem-estar dos consumidores.

Já a canábis natural revela um perfil de segurança consideravelmente superior, embora o seu efeito psicoativo possa ainda aumentar o risco de acidentes rodoviários e provocar efeitos adversos de curta e longa duração na saúde.

História relacionada

Níveis de THC nas variedades de canábis

Será a canábis sintética assim tão perigosa?

Será a canábis sintética realmente tão perigosa?

A resposta curta é sim. As drogas sintéticas produzidas fora dos canais legais são quase sempre perigosas. Um dos maiores problemas é que os fabricantes tentam fazer passar os seus produtos como genuínos.

Foram detectados canabinóides falsificados em comestíveis como rebuçados, em haxixe falsificado e, naturalmente, em vaporizadores pré-fabricados. É bem sabido que o uso recreativo de canábis sintética pode causar efeitos muito negativos nos consumidores.

Efeitos secundários dos canabinóides sintéticos

Efeitos secundários dos canabinoides sintéticos

Esta não é uma lista completa, mas aqui ficam alguns dos efeitos secundários associados ao consumo de canabinoides sintéticos:

  • Tonturas
  • Náuseas e vómitos
  • Paranoia
  • Dificuldades de coordenação motora
  • Sensação de falta de ar
  • Convulsões
  • Palpitações
  • Perda de consciência
  • Morte por sobredose

História relacionada

Os canabinóides não são exclusivos da cannabis

Os canabinoides sintéticos podem ter benefícios?

A Cannabis Sintética Pode Ser Benéfica?

Alguns canabinóides sintéticos são utilizados em tratamentos médicos para promover a saúde das pessoas. Entre estes encontram-se medicamentos legais como o Sativex, que pode ser produzido a partir de canabinóides naturais ou sintéticos, o Epidiolex, de origem exclusivamente CBD ou equivalentes sintéticos, e o Cesamet, também chamado nabilona, aprovado para tratar perturbações do movimento, como a doença de Parkinson.

No entanto, muitos doentes preferem fazer uso não só de canabinóides extraídos naturalmente, mas também beneficiar de vários compostos naturais da planta de canábis, em vez de recorrer apenas a componentes isolados.

A melhor forma de garantir que o seu canábis é natural e livre de aditivos químicos passa por cultivá-lo você mesmo. No entanto, esta prática pode ser arriscada se vive numa região onde ainda é ilegal. Apesar disso, crescer uma ou duas plantas em casa pode, em muitos casos, ser mais seguro do que recorrer a canábis sintética adquirida a fontes pouco credíveis. Proteja-se e seja prudente.

Max Sargent
Max Sargent
O Max dedica-se à escrita há mais de dez anos e, nos últimos tempos, concentrou-se no jornalismo sobre canábis e psicadélicos. Ao colaborar com empresas como a Zamnesia, Royal Queen Seeds, Cannaconnection, Gorilla Seeds, MushMagic, entre outras, adquiriu uma vasta experiência em diferentes áreas deste setor.
Referências
  • Cayman Chemical. (2020, Abril 13). Why does alkyl chain length matter? - https://www.caymanchem.com
  • EMCDDA. (n.d.). Synthetic cannabinoids and 'Spice' drug profile - https://www.emcdda.europa.eu
  • FDA. (2020, Outubro 1). Research and drug approval process - https://www.fda.gov
  • Groth, Olwen, Roider, Gabriele, Angerer, Verena, Schäper, Jan, Graw, Matthias, Musshoff, Frank, Auwärter, & Volker. (2023, Julho). “Spice”-related deaths in and around Munich, Germany: A retrospective look at the role of synthetic cannabinoid receptor agonists in our post-mortem cases over a seven-year period (2014–2020) - https://doi.org
  • Presley BC, Jansen-Varnum SA, & Logan BK. (2013). PubMed - https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov
  • Presley BC, Jansen-Varnum SA, & Logan BK. (2013 Mar). Presley, B.C., Jansen-Varnum, S.A., en Logan, B.K. (2013). Analysis of Synthetic Cannabinoids in Botanical Material: A Review of Analytical Methods and Findings. Forensic science review, 25 1-2, 27-46 - https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov
  • World Health Organization. (n.d.). Cannabis - https://www.who.int
Está a visitar o nosso site Portugal.